sexta-feira, 25 de junho de 2010

A DESPEDIDEIRA : MIA COUTO


Trecho do conto

" ( ...) Há muito tempo , me casei , também eu .

Dispensei uma vida com esse alguém .

Até que ele foi . Quando me deixou , já não

deixou a mim . Que eu já era outra , habilitada

a ser ninguém . Às vezes , contudo , ainda me

adoece uma saudade desse homem . Lembro o

tempo em que me encantei , tudo era um princípio .

Eu era nova , dezanovinha .

Quando ele me dirigiu palavra , nesse primeiríssimo

dia , dei conta de que , até então , eu nunca tinha

falado com ninguém . O que havia feito era comerciar

palavra , em negoceio de sentimento . Falar é outra

coisa , é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes ,

suspensos sobre o abismo . Falar é outra coisa , vos digo .

Dessa vez , com esse homem , na palavra eu me divinizei .

Como perfume em que perdesse minha própria aparência .

Me solvia na fala insubstanciada .

Lembro desse encontro , dessa primogénita primeira vez .

Como se aquele momento fosse , afinal , toda minha vida .

Aconteceu aqui , neste mesmo pátio em que agora o espero .

(.....)

Nesse mesmo pátio em que se estreava meu coração tudo

iria , afinal acabar . Porque ele anunciou tudo nesse poente .

Que a paixão dele desbrilhara .

( ...)

Pedi-lhe que viesse uma vez mais . Para que , de novo ,

se despeça de mim . E passados os anos , tantos que já

nem cabem na lembrança , eu ainda choro como se fosse

a primeira despedida . Porque esse adeus , só esse aceno

é meu , todo inteiramente meu .

Um adeus à medida de meu amor .

Assim , ele virá para renovar despedidas . Quando a lágrima

escorrer no meu rosto eu a sorverei , como quem bebe o tempo .

Essa água é , agora , meu único alimento . Meu último alento .

Por isso , refaço a despedida .

Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso ."


in , " O Fio das Missangas "

Nenhum comentário:

Postar um comentário