quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poesia , sempre ...


Miguel Torga : Livro de Horas

" Aqui diante de mim ,

eu , pecador , me confesso

de ser assim como sou .

Me confesso o bom e o mau

que vão ao leme da nau

nesta deriva em que vou .


Me confesso

possesso

das virtudes teologais,

que são três ,

e dos pecados mortais ,


que são sete ,

quando a terra não repete

que são mais.


Me confesso

o dono das minhas horas .

O das facadas cegas e raivosas ,

e o das ternuras lúcidas e mansas .


E de ser de qualquer modo

andanças

do mesmo todo .


Me confesso de ser charco

e luar de charco , à mistura.

De ser a corda do arco

que atira setas acima

e abaixo da minha altura.


Me confesso de ser tudo

que possa nascer em mim .

De ter raízes no chão

desta minha condição .

Me confesso de Abel e de Caim .


Me confesso de ser Homem.

De ser um anjo caído

do tal céu que Deus governa;

de ser um monstro saído

do buraco mais fundo da caverna.


Me confesso de ser eu .


Eu , tal e qual como vim

para dizer que sou eu

aqui , diante de mim ! "

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