segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O Fotógrafo : Manoel de Barros



" Difícil fotografar o silêncio .

Entretanto tentei . Eu conto :

Madrugada a minha aldeia estava morta .

Não se ouvia um barulho .

Ninguém passava entre as casas .

Eram quase quatro da manhã .




Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado.

Preparei minha máquina .

O silêncio era um carregador ?

Estava carregando o bêbado .

Fotografei esse carregador .

Tive visões naquela madrugada .



Preparei minha máquina de novo .

Tinha um perfume de jasmim

Na beira de um sobrado .

Fotografei o perfume .



Vi uma lesma pregada na existência

Mais do que na pedra.

Fotografei a existência dela .



Vi ainda um azul-perdão

No olho de um mendigo .

Fotografei o perdão .



Olhei uma paisagem velha

A desabar sobre uma casa .

Fotografei o sobre .

Foi difícil fotografar o sobre .



Por fim enxerguei a

Nuvem de calça .

Representou para mim

Que ela andava na aldeia de

Braços dados com Maiakoviski

Seu criador .

Fotografei

A nuvem de calça .



E

O poeta .

Ninguém - outro poeta

No mundo faria

Uma roupa mais justa

Para cobrir

A sua noiva .

A foto saiu legal."


in,
Manoel de Barros ,

" Ensaios Fotográficos "

Editora Record

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