terça-feira, 14 de setembro de 2010

José : Carlos Drummond de Andrade


E agora, José ?
A festa acabou ,
a luz apagou ,
o povo sumiu ,
a noite esfriou ,
e agora , José ?
e agora , Você ?
Você que é sem nome ,
que zomba dos outros ,
Você que faz versos ,
que ama , protesta ?
e agora , José ?


Está sem mulher ,
está sem discurso ,
está sem carinho ,
já não pode beber ,
já não pode fumar ,
cuspir já não pode ,
a noite esfriou ,
o dia não veio ,
o bonde não veio
,
o riso não veio ,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou ,
e agora , José ?

E agora , José ?
sua doce palavra ,
seu instante de febre
sua gula e jejum ,
sua biblioteca ,
sua lavra de ouro ,
seu terno de vidro ,
sua incoerência ,
seu ódio , - e agora ?


Com a chave na mão
quer abrir a porta ,
não existe porta ,
quer morrer no mar
mas o mar secou ,
quer ir pra Minas ,
Minas não há mais .
José , e agora ?


Se você gritasse ,
se você gemesse ,
se você tocasse ,
a valsa vienense ,
se você dormisse ,
se você cansasse ,
se você morresse ...
Mas você não morre ,
você é duro , José !


Sozinho no escuro
qual bicho- do- mato ,
sem teogonia ,
sem parede nua ,
para se encostar ,
sem cavalo preto ,
que fuja do galope ,
você marcha , José !
José , para onde ?

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