terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vladimir Maiakovski


O Sol existe


" Ainda que seja noite

o Sol existe

por cima de pau e pedra

nuvens e tempestades

cobras e lagartos

o Sol existe

ainda que tranquem nosso quarto

e apaguem a luz

o Sol existe ."

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ivan Lins



" Seu coração é um barco de velas içadas

Longe dos mares , do tempo , das longas marés

Seu coração é um barco de velas içadas

Sem nevoeiros , tormentas , sequer um revés



Seu coração é um barco jamais navegado

Nunca mostrou-se por dentro , abrindo os porões

Seu coração é um barco que vive ancorado

Nunca arriscou-se ao vento , às grandes paixões



Nunca soltou as amarras

Nunca ficou à deriva

Nunca sofreu um naufrágio

Nunca cruzou com piratas e aventureiros

Nunca cumpriu o destino das embarcações ."

Vinicius de Moraes



" Deixa

Fale quem quiser falar , meu bem

Deixa

Deixe o coração falar também

Porque ele tem razão demais quando se queixa

Então a gente deixa , deixa , deixa

Ninguém vive mais de uma vez

Deixa

Diz que sim pra não dizer talvez

Deixa

A paixão também existe

Deixa

Não me deixes ficar triste ."

Gilberto Gil



" Drão !

O amor da gente

É como um grão

Uma semente de ilusão

Tem que morrer pra germinar

Plantar nalgum lugar

Ressuscitar no chão

Nossa semeadura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Nossa caminhadura

Dura caminhada

Pela estrada escura ...



(...)


Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão

Morrre , nasce trigo

Vive , morre pão. "

domingo, 21 de agosto de 2011

Caetano Veloso


" Eu quero ir minha gente ,

eu não sou daqui ,

eu não tenho nada , nada

quero ver Irene rir,

quero ver Irene dar sua risada ."

sábado, 20 de agosto de 2011

Chico Buarque


(...)

" Deixa em paz meu coração

Que ele é um pote até aqui de mágoa

E qualquer desatenção , faça não

Pode ser a gota d' água ."

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Octavio Paz



Palavras em forma redemoinho


" Abro a janela

que dá

pra nenhuma parte

A janela

que se abre para dentro

O vento

levanta

instantâneas levíssimas

torres de poeira giratória

São

mais altas que esta casa

Cabem

nesta folha

Caem e se levantam

Antes que digam

algo

ao dobrar a folha

se dispersam

Torvelinhos de ecos

aspirados inspirados

por seu próprio girar

Agora

abrem-se noutro espaço

Dizem

não o que dizemos

outra coisa sempre outra

a mesma coisa sempre

Palavras do poema

não as dizemos nunca

O poema nos diz ."

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Paulo Leminski



" um bom poema

leva anos

cinco jogando bola ,

mais cinco estudando sânscrito ,

seis carregando pedra ,

nove namorando a vizinha ,

sete levando porrada ,

quatro andando sozinho ,

três mudando de cidade ,

dez trocando de assunto ,

uma eternidade , eu e você ,

caminhando juntos ."

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Alice Ruiz



" Sim . Todos os poemas são de amor .

Pela rima , pelo ritmo , pelo brilho

ou por alguém , por alguma coisa

que passava na hora em que

a vida virava palavra ."



terça-feira, 16 de agosto de 2011

Cora Coralina



A procura

" Andei pelos caminhos da vida.

Caminhei pelas ruas do destino -

procurando meu signo .

Bati na porta da Fortuna,

mandou dizer que não estava .

Bati na porta da Fama ,

falou que não podia atender .

Procurei a casa da Felicidade ,

a vizinha da frente me informou que

ela tinha se mudado sem deixar novo endereço.

Procurei a morada da Fortaleza

Ela me fez entrar :

deu-me veste nova , perfumou meus cabelos ...

fez-me beber de vinho .

Acertei o meu caminho ."

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Friedrich Nietzche



" O que me preocupa não é que tenhas mentido ,

e sim que , de agora em diante , já não poderei

acreditar em ti ."

domingo, 14 de agosto de 2011

Dia dos pais



Parabenizo todos os pais na figura do meu .

Ele completou 87 anos há quatro dias e

desde os seus 84 ,para continuar vivendo ,

vai ao hospital ,tres vezes por semana ,

fazer hemodiálise .

Esta sua reverência pela Vida é a lição

que diuturnamente nos deixa .

Só podemos agradecer .




Beijos , papai



sábado, 13 de agosto de 2011

Guimarães Rosa



" O sertão é dentro da gente .

E esse sertão não é feito apenas de aridez

e provocação , mas de veredas , de estações

de alívio e beleza em meio à solidão "

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Sophia de Mello Breyner Andresen



Nunca mais


" Nunca mais

Caminharás nos caminhos naturais .

Nunca mais te poderás sentir

Invulnerável , real e densa -

Para sempre está perdido

O que mais do que tudo procuraste

A plenitude de cada presença .


E será sempre o mesmo sonho , a mesma ausência ."

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Jorge Luis Borges



Somos rios


"Somos o tempo . Somos a famosa

parábola de Heráclito o Obscuro .

Somos a água , não o diamante duro ,

a que se perde , não a que repousa .

Somos o rio e somos aquele grego

que se olha no rio . Seu semblante

muda na água do espelho mutante ,

no cristal que muda como o fogo .

Somos o vão rio prefixado ,

rumo a seu mar . Pela sombra cercado .

Tudo nos disse adeus , tudo nos deixa .

A memória não cunha sua moeda .

E no entanto há algo que se queda

e no entanto há algo que se queixa ."

Pablo Neruda



" Saberás que não te amo e que te amo

posto que de dois modos é a vida ,

a palavra é uma asa do silêncio ,

o fogo tem uma metade de frio .


Eu te amo para começar a amar-te ,

para recomeçar o infinito

e para não deixar de amar-te nunca :

por isso não te amo todavia .


Te amo e não te amo como se tivesse

em minhas mãos as chaves da fortuna

e um incerto destino desditoso .


Meu amor tem duas vidas para amar-te .

Por isso te amo quando não te amo

e por isso te amo quando te amo ."



XLIV , dos " Cem sonetos de amor "

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Thiago de Mello



(...)

" Não , não tenho caminho novo .

O que tenho de novo

é o jeito de caminhar .

Aprendi

( o caminho me ensinou )

a caminhar cantando

como convém

a mim

e aos que vão comigo .

Pois já não vou mais sozinho ."




no poema , " A vida verdadeira "

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Mario Quintana



Eu queria trazer-te uns versos muito lindos


" Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

colhidos no mais íntimo de mim ...

Suas palavras

seriam as mais simples do mundo ,

porém não sei que luz as iluminaria

que terias de fechar teus olhos para as ouvir ...

Sim ! Uma luz que viria de dentro delas ,

como essa que acende inesperadas cores

nas lanternas chinesas de papel !

Trago-te palavras , apenas ...e que

estão escritas do lado de fora do papel ...

Não sei , eu nunca soube o que dizer-te

e este poema vai morrendo , ardente e

puro , ao vento da Poesia ...

como

uma pobre lanterna que incendiou ! "




domingo, 7 de agosto de 2011

Carlos Drummond de Andrade




Caso do vestido


"Nossa mãe , o que é aquele

vestido , naquele prego ?


Minhas filhas , é o vestido

de uma dona que passou .


Passou quando , nossa mãe ?

Era nossa conhecida ?


Minhas filhas , boca presa .

Vosso pai evém chegando .


Nossa mãe , dizei depressa

que vestido é esse vestido .


Minhas filhas , mas o corpo

ficou frio e não o veste .


O vestido , neste prego

está morto , sossegado .


Nossa mãe , esse vestido

tanta renda , esse segredo .


Minhas filhas , escutai

palavras da minha boca .


Era uma dona de longe ,

vosso pai enamorou-se .


E ficou tão transtornado ,

se perdeu tanto de nós ,


se afastou de toda vida ,

se fechou se devorou ,


chorou no prato de carne ,

bebeu , brigou , me bateu ,


me deixou com vosso berço ,

foi para a dona de longe ,


mas a dona não ligou .

Em vão o pai implorou .


Dava apólice , fazenda ,

dava carro , dava ouro ,


beberia seu sobejo ,

lamberia seu sapato .


Mas a dona nem ligou .

Então vosso pai , irado ,


me pediu que lhe pedisse

a essa dona tão perversa ,


que tivesse paciência

e fosse dormir com ele ...


Nossa mãe , porque chorais ?

Nosso lenço vos cedemos .


Minhas filhas , vosso pai

chega ao pátio .Disfarcemos .


Nossa mãe , não escutamos

pisar de pé no degrau .


Minhas filhas , procurei

aquela mulher do demo .


E lhe roguei que aplacasse

de meu marido a vontade .


Eu não amo teu marido ,

me falou ela se rindo .


Mas posso ficar com ele

se a senhora fizer gosto ,


só pra lhe satisfazer ,

não por mim , não quero homem .


Olhei para vosso pai

os olhos dele pediam .


Olhei para a dona ruim ,

os olhos dela gozavam .


O seu vestido de renda ,

de colo mui devassado ,


mais mostrava que escondia

as partes da pecadora .


Eu fiz pelo-sinal

me curvei ... disse que sim .


Sai pensando na morte ,

mas a morte não chegava .


Andei pelas cinco ruas ,

passei ponte , passei rio ,


visitei vossos parentes ,

não comia , não falava ,


tive uma febre terçã ,

mas a morte não chegava .


Fiquei fora de perigo ,

fiquei de cabeça branca ,


perdi meus dentes , meus olhos ,

costurei , lavei , fiz doce ,


minhas mãos se escalavraram

meus anéis se dispersaram ,


minha corrente de ouro

pagou conta de farmácia .


Vosso pai sumiu no mundo .

O mundo é grande e peuqeno .


Um dia a dona soberba

me aparece já sem nada ,


pobre , desfeita , mofina ,

com sua trouxa na mão .


Dona , me disse baixinho ,

não te dou vosso marido ,


que não sei onde ele anda .

Mas te dou este vestido ,


última peça de luxo

que guardei como lembrança ,


daquele dia de cobra

de maior humilhação .


Eu não tinha amor por ele ,

ao depois amor pegou .


Mas então ele enjoado

confessou que só gostava


de mim como eu era dantes .

Me joguei as suas plantas,


fiz toda sorte de dengo ,

no chão rocei minha cara ,


me puxei pelos cabelos ,

me lancei na correnteza ,


me cortei de canivete ,

me atirei no sumidouro ,


bebi fel e gazolina ,

rezei duzentas novenas ,


dona , de nada valeu :

vosso marido sumiu .


Aqui trago minha roupa

que recorda meu malfeito


de ofender dona casada

pisando no seu orgulho .


Recebei esse vestido

e me dai vosso perdão .


Olhei para a cara dela

quede os olhos cintilantes ?


quede graça de sorriso ,

quede colo de camélia ?


quede aquela cinturinha

delgada como jeitosa ?


quede pezinhos calçados

com sandálias de cetim ?


Olhei muito para ela

boca não disse palavra .


Peguei o vestido , pus

neste prego da parede .


Ela se foi de mansinho

e já na ponta da estrada


vosso pai aparecia .

Olhou pra mim em silêncio ,


mal reparou no vestido

e disse apenas - Mulher ,


põe mais um prato na mesa .

Eu fiz , ele se assentou ,


comeu , limpou o suor ,

era sempre o mesmo homem ,


comia meio de lado

e nem estava mais velho .


O barulho da comida

na boca , me acalentava ,


me dava uma grande paz ,

um sentimento esquisito


de que tudo foi um sonho ,

vestido não há ... nem nada


Minhas filhas , eis que ouço

vosso pai subindo a escada ."

sábado, 6 de agosto de 2011

Manoel de Barros



" Acho que o quintal onde a gente brincou

é maior do que a cidade .

A gente só descobre isso depois de grande .

A gente descobre que o tamanho das coisas há de

ser medido pela intimidade que temos com as coisas .

Há de ser como acontece com o amor .

Assim , as pedrinhas do nosso quintal são sempre

maiores do que as outras pedras do mundo .

Justo pelo motivo da intimidade ."

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Cecília Meireles



" Não fales as palavras dos homens .

Palavras com vida humana .

Que nascem , que crescem , que morrem .

Faze a tua palavra perfeita .

Dize somente coisas eternas .

Vive em todos os tempos .

Pela tua voz .

Sê o que o ouvido nunca esquece .

Repete-te para sempre .

Em todos os corações .

Em todos os mundos ."



XII , dos Cânticos

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fernando Pessoa , sempre ...



Prece

" Senhor , que és o céu e a terra , que és a vida e a morte !

O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!

Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso

amor és tu também .

Onde nada está tu habitas e onde tudo está -

( o teu templo ) - eis o teu corpo .

Dá-me alma para te servir e alma para te amar .

Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra,

ouvidos para te ouvir no vento e no mar ,

e mãos para trabalhar em teu nome .


Torna-me puro como água e alto como o céu .

Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos

nem folhas mortas nas lagoas de meus propósitos.

Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos

e servir-te como a um pai .


Minha vida seja digna da tua presença .

Meu corpo seja digno da terra , tua cama .

Minha alma possa aparecer diante de ti como

a um filho que volta ao lar .


Torna-me grande como o Sol , para que eu te possa

adorar em mim ; e torna-me puro como a lua ,

para que eu te possa rezar em mim ; e torna-me

claro como o dia para que eu te possa ver sempre

em mim e rezar-te e adorar-te .

Senhor , protege-me e ampara-me .

Dá-me que eu me sinta teu .

Senhor livra-me de mim ."



 in " O Eu Profundo "

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Clarice Lispector



" Não me lembro mais qual foi nosso começo .

Sei que não começamos pelo começo .

Já era amor antes de ser ."

Adélia Prado



" Olha , antigamente , quando chovia

encarreirado igual tá chovendo agora ,

eu gostava de pedir à mãe pra fazer

mingau de fubá . A gente bebia e

se enfiava debaixo das colchas pra

escutar chuva e ser feliz ."

Caio Fernando Abreu



" Ontem chorei . Por tudo que fomos .

Por tudo que não conseguimos ser .

Por tudo que se perdeu .

Por termos nos perdido .

Pelo que queríamos que fosse e não foi .

Pela renúncia .

Por valores não dados .

Por erros cometidos .

Acertos não comemorados .

Palavras dissipadas .

Versos brancos .

Chorei pela guerra cotidiana .

Pelas tentativas de sobrevivência .

Pelos apelos de paz não atendidos .

Pelo amor derramado .

Pelo amor ofendido e aprisionado .

Pelo amor perdido .

Pelo respeito empoeirado em cima da estante .

Pelo carinho esquecido junto das cartas

envelhecidas no guarda - roupa .

Pelos sonhos desafinados , estremecidos e adiados .

Pela culpa . Toda a culpa .

Minha . Sua . Nossa culpa .

Por tudo que foi e voou .

E não volta mais , pois que hoje é já outro dia .

Chorei .

Apronto agora meus pés na estrada .

Ponho-me a caminhar sob sol e vento .

Vou ali ser feliz e já volto ."