" Quando eu morrer, não digas a ninguém
que foi por ti. Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis que alagámos
de beijos quando eram outras horas nos relógios do mundo e não havia ainda
quem soubesse de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa ser
apenas mais um poema - como esses que eu escrevia assim que a madrugada se
encostava aos vidros e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra.
Deixa que
nos meus braços pousem então as aves
(que, como eu, trazem entre as penas a
saudades
de um verão carregado de paixões).
E planta à minha volta uma fiada
de rosas brancas que chamem pelas abelhas,
e um cordão de árvores que
perfurem a noite - porque a morte deve ser clara como o sal na bainha das
ondas, e a cegueira sempre me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não
contes a ninguém que foi por ti).
Quando eu morrer,
deixa-me a
ver o mar do alto
de um rochedo e não chores,
nem toques com os teus lábios a
minha boca fria.
E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão
pequenos como pequenos foram sempre os meus ódios;
e que depois os lanças
na solidão
de um arquipélago e partes sem olhar para trás nenhuma vez:
se
alguém os vir de longe brilhando na poeira, cuidará que são flores que o
vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas,
pingos de luz, lágrimas
de sol, ou penas de um anjo que perdeu as asas por
amor. "
in , " O canto do vento nos ciprestes " Som na caixa ...
" (...) Somos uma difícil unidade de muitos instantes mínimos - isso seria eu . Mil fragmentos somos , em jogo misterioso , aproximamo-nos e
afastamo-nos , eternamente -
como poderão me encontrar ?
Novos e antigos todos os dias , transparentes e opacos , segundo o giro da luz - nós mesmos nos procuramos . E por entre as circunstâncias fluímos , leves e livres como a cascata pelas pedras .
Que metal nos poderia
prender ? "
Cecília Meireles