sábado, 31 de agosto de 2013

QUANTAS VEZES EU ASSASSINEI O AMOR ?

Mark Keller
 
"  O amor nunca morre de morte natural .
Anaïs  Nin estava  certa .
Morre porque o matamos ou o deixamos  morrer .
Morre envenenado pela angústia .
Morre enforcado pelo abraço .
Morre esfaqueado pelas costas .
Morre eletrocutado pela sinceridade .
Morre atropelado pela grosseria .
Morre sufocado pela desavença .
Mortes patéticas , cruéis , sem obituário
 e missa de sétimo dia .
Mortes  sem sangramento . Lavadas .
Com  os ossos e as lembranças deslocados .
O amor não morre de velhice , em paz com a cama
e com a fortuna dos dedos .
Morre com um beijo dado sem ênfase .
Um dia morno .
Uma indiferença .
Uma conversa surda .
Morre porque queremos que morra .
Decidimos  que ele está morto .
Facilitamos seu estremecimento . "
 
Fabrício Carpinejar ,
in  " Borralheiro " 
 
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terça-feira, 27 de agosto de 2013

QUASE ...

Anna  and Elena Balbusso
 
"  Quase , é uma palavra  notável .
Todas  as  pessoas deviam ter por nome próprio quase .
Eu sou quase , tu és quase , 
 ele é quase ,nós somos quase .
Quase  qualquer coisa que não chega a ser quase .
Uma  equação quase perfeita .
Um número quase redondo que só existe dentro
 de nossas  cabeças  atadas  por fios invencíveis .
Fios de aço que amarram a loucura  e a mantêm obediente .
Não querias ser mais .
 Podes  chorar  todas  as  lágrimas  que  te descem pela cara 
 sulcando traços  de temperatura variável .
Continuam a surgir frases por escrever ,
 amores inacabados ."
 
Pedro Paixão ,
in  "  O mundo é tudo que acontece " 
 
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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

POEMA DE HOJE ....

Roman Velichko
 
" Para atravessar  contigo o deserto  do mundo
Para enfrentarmos  juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei 
 
Por  ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite  meu silêncio
Minha pérola redonda   e seu oriente
Meu espelho  minha vida  minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
 
Cá fora à luz  sem véu do dia duro
Sem os  espelhos vi que estava nua
E ao descampado  se chamava tempo
 
Por isso com  teus  gestos me vestiste
E aprendi a viver  em pleno vento ."
 
Sophia de Mello B. Andresen   
 
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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

UMA DISTRAÇÃO DO TEMPO ...

Nenad Mirkovitch
 
" Quero definir-te o que é este sentimento :
o que pertence à esfera  daquilo que a razão
não domina ,  ou simplesmente nasce da noite ,
e de tudo que a envolve .  Falo de uma
 íntima  relação entre os seres , de emoções
que se transmitem para além de palavras  e
conceitos , de um encontro de corpos  na
esfera de um segredo .
 Dir-me- ás : " Para que precisas  de uma
 explicação para o amor ?"
Mas é a sua inutilidade que me interessa ;
a dádiva , o simples dizer que as coisas  são
assim  porque são , e, para além disso tudo
se complica . Podes , então , rir do que te digo;
ou simplesmente dizer-me  que as palavras nada
substituem , e que tudo que elas nos dão
 está a mais . Mas  o  amor  pertence-nos .
Não o podemos deitar fora ;
 nem fingir que não existe , como não existe
 o infinito , a transcendência , a abstração divina ,
para quem só crê  no concreto .
É  verdade  que o amor não se vê :
o que vejo são teus olhos , a ternura súbita
das tuas pálpebras , e o que elas abrem e
 escondem numa hesitação de luz .
Eis então  o que define  este sentimento :
um  intervalo , uma distração do tempo ,
a divina abstração do infinito ,
na transcendência  do real . "
 
Nuno  Júdice
 
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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A ARTE DE PERDER

Suhair  Sibai
 
"  A  arte  de  perder  não  é  nenhum mistério ;
Tantas coisas contem em si o acidente
De  perdê -las , que perder  não é nada sério .
 
Perca  um  pouquinho  cada  dia . Aceite , austero ,
A chave  perdida , a hora gasta bestamente .
A  arte  de  perder  não é nenhum mistério .
 
Depois  perca  mais rápido , com mais critério :
Lugares , nomes , a escala subsequente
Da viagem  não feita . Nada disso é sério.
 
Perdi  o relógio de mamãe . Ah ! E nem quero
Lembrar  a perda de três casas excelentes.
A  arte  de  perder  não é nenhum mistério .
 
Perdi  duas  cidades  lindas . E  um  império 
Que era meu  , dois rios  e mais um continente.
Tenho saudade  deles . Mas  não é nada sério .
 
- Mesmo  perder  você ( a voz , o riso etéreo
que eu amo ) não muda  nada .Pois  é  evidente
que a arte de perder  não chega a ser mistério
por muito que pareça ( Escreve!) muito sério ."
 
Elisabeth Bishop
 
Tradução de  Paulo Henriques Britto
 
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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

SOL POR DENTRO

 
Iris Scott
 
" Há  um sol
que brilha por dentro.
 
( Pelos ossos , pelo
sangue  ,  pelos músculos ,
pelos nervos .)
 
Ele arde na carne ,
ferve na pele ,
reverbera em pensamento .
 
Há  um sol
no fundo do corpo ,
lúcido , noite adentro ."
 
Marcelo Sandmann 
 
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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

LYA LUFT

Goyo  Dominguez
 
" Não vejo melhor projeto de vida  do que escolher o lado
do sol , em vez de acompanhar a procissão de queixosos .
Querer  ser  o  cuidador ( sem vitimização )
e não o perseguidor , não humilhar o parceiro  ou ironizar
o filho  que não vai esquecer isso  nunca mais .
A vida é uma longa construção :  em geral a  enxergamos
como deterioração .
Não conseguimos apreciar o outro lado , que é acúmulo ,
experiência , serenidade , mínima sabedoria  , mais tempo ,
quem sabe  mais bondade .
Construção de emoções positivas , com porões  de tristezas
e um sótão  de decepções , mas  a sala e os quartos arejados,
com portas que podemos  abrir  para que se revele o que
ainda virá em seguida e vai se desdobrar . 
Isso é o que  a gente decide  ".
 
in , " Múltipla Escolha "
 
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segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A VIAGEM NÃO ACABA NUNCA

José Roldan Rendon
 
(...) 
 
 "  Quando o viajante se sentou na areia da praia
e disse :  -  Não há mais que ver ,  sabia que não era assim .
O  fim duma viagem  é apenas o começo doutra .
É preciso ver o que não foi visto , ver outra vez 
o que já se viu já , ver na Primavera o que se vira
no Verão , ver de dia o que se viu de noite ,
com sol onde primeiramente  a chuva caía ,
ver a seara  verde , o fruto maduro ,
a pedra que mudou de lugar , a sombra  que aqui não estava .
É preciso voltar  aos passos que foram dados , para  os repetir ,
e para traçar  caminhos  novos  ao lado deles .
É preciso recomeçar a viagem sempre .
O viajante volta já ."
 
José  Saramago
in ,  " Viagem  a Portugal "
 
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