quinta-feira, 31 de outubro de 2013

111º aniversário de Drummond

Alan   Ayers
 
" Qualquer tempo é tempo,
A hora  mesma da morte
É hora de nascer .
 
Nenhum tempo é tempo
Bastante para a ciência
De ver, rever .
 
Tempo , contratempo
Anulam-se ,mas o sonho
Resta , de viver ."
 
 
Carlos Drummond de Andrade ,
no poema " Qualquer  Tempo "
 
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domingo, 27 de outubro de 2013

CARÍCIA

Isabele  Cochereau
 
" Demore-se  no  carinho ,
de modo que no rosto do outro
vá  a mão como se não fora
voltar . Repita  ,
 
demorando-se  mais ,
de modo que a mão descanse
naquele rosto , como se ,
e se esqueça de que .
 
Repita , demore-se  no carinho 
como se a mão desse adeus ,
agarrada  ao rosto que se vai .
Outra vez , repita ,
 
demorando-se  mais
e mais , como se a mão bebesse
daquele rosto para , saciada , dormir
ali mesmo , ao pé da fonte ."
 
Eucanaã  Ferraz ,
in " Boa Companhia , Poesia " 
 
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domingo, 20 de outubro de 2013

CANÇÃO DA ESTRELA MURMURANTE

Barbara  Cole
 
" Nós  nos amaremos docemente ,
nesta luz , neste encanto , neste medo :
nós  nos amaremos livremente
no dia marcado pelos deuses .
 
Nós nos amaremos com verdade
porque estas almas já se conheciam :
nós nos amaremos para sempre
além da concreta realidade .
 
Nós nos amaremos lindamente ,
nós nos amaremos como  poucos ,
nós nos amaremos
no teu tempo ."
 
Lya Luft ,
in  "Secreta mirada e outros poemas "
 
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quinta-feira, 17 de outubro de 2013

19 de outubro - Centésimo aniversário de Vinicius de Moraes

 
"  Resta , acima de tudo , essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta  essa voz íntima pedindo perdão por tudo
 - Perdoai  ! eles não tem culpa de ter nascido ...
 
Resta  esse antigo  respeito pela noite , esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter , esse medo
De ferir tocando , essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto  existe .
 
Resta essa imobilidade , essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira  infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida .
 
Resta essa comunhão com os sons , esse sentimento
Da matéria em repouso , essa angústia da simultaneidade
Do  tempo , essa lenta decomposição poética
Em busca  de uma só vida , uma só morte , um só Vinicius .
 
Resta  esse  coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas , essa tristeza
Diante do cotidiano ; ou essa súbita alegria
Ao  ouvir na madrugada passos que se perdem sem história .
 
Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo , essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil .
 
Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos , essa  capacidade
De  rir à toa , esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade .
 
Resta essa distração , essa disponibilidade, essa vagueza
De quem  sabe que tudo já foi como será no vir- a -ser
E  ao mesmo tempo essa vontade  de servir , essa
Contemporaneidade  com o amanhã dos que  não tiveram
ontem nem hoje .
 
Resta  essa faculdade incoercível de sonhar
E transfigurar   a realidade , dentro dessa incapacidade
De aceitá-la  tal como é , e essa visão  
Ampla dos acontecimentos , e essa impressionante
 
E desnecessária  presciência , e essa memória anterior
De mundos inexistentes , e esse heroísmo
Estático , e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança .
 
 
Resta este desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se  em olhares sem curiosidade e sem memória  
Resta essa pobreza intrínseca ,  essa vaidade
De não querer ser príncipe   senão do seu reino .
 
 
Resta esse diálogo cotidiano com a morte , essa curiosidade 
Pelo momento a vir , quando , apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante 
Mas recuará em véus  ao ver-me junto à bem- amada ...
 
Resta  esse constante esforço para caminhar  dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo , e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens ." 
 
 
Vinicius de Moraes ,
  no poema " O Haver " , extraído  do livro
" Jardim Noturno -Poemas Inéditos ",
Companhia das Letras , São Paulo , 1993
 
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terça-feira, 15 de outubro de 2013

DEPOIMENTOS DE DANIEL LIMA

Salvador Dali 
 
Em abril de 2012 , falecia um poeta recém-apresentado
ao mundo , aos 95 anos de idade .
Padre Daniel Lima  havia ficado conhecido um ano antes ,
quando uma compilação de poemas  de sua autoria  foi lançada
pela Companhia Editora de Pernambuco  e consagrada
com o Prêmio Alphonsus de Guimarães  da Fundação da
Biblioteca Nacional . 
Para homenagear o poeta  com mais de 20 livros inéditos ,
entre literários e filosóficos ,  a escritora Luzilá Gonçalves
resgatou uma entrevista  realizada com ele , à época  do seu
aniversário de 60 anos .
Transcrevo pequenos trechos :
 
( ...)
 
" Completo hoje 60 anos , dois de maio de 1976 .
Minha biografia é silenciosa demais  e muito horizontal .
Eu , visto por mim , não me conheço bem .
Vivo a fazer esforço a cada dia  para ir me conhecendo
melhor , não sou um sujeito lógico ,
 creio que nem mesmo gramatical .
Seria quase impossível  deduzir algo de mim ,
pois sempre fui desconexo .
Sou uma palavra que saiu do dicionário ,
que não se afasta totalmente dele , mas não se ajusta
à frase de que faz parte ,
que se choca com o verbo  de que é sujeito,
que não arreda pé  dessa posição de atrapalho .
Sou , pois , um anacoluto , para me explicar
em termos de linguagem .
 
(...)
 
Felizmente  cedo tomei consciência que cada um
tem obrigação de se arrumar  com seus cacarecos ,
com seus equipamentos , e dentro de seus limites
e condições , a fazer da existência recebida
a vida desejada , não fabricar asas de cera
para não cair como Ícaro , no mar .
A filosofia significou isto para mim :
o jeito de encontrar o meu jeito de viver  bem
com as coisas que conquisto .
Neste  ponto , acho que sou filósofo , fui até
professor de Filosofia, mas sempre com a convicção
que a filosofia   não era nada daquilo que eu estava
ensinando .
Que a filosofia verdadeira não era coisa que se
ensinasse  , pois era a vida , a vida de cada um ,
aprumada não por gente de fora , mas pelo único
que está em seu centro , assim falsamente aluno
do falso professor da falsa filosofia .
 
(...)
 
Vejam  só , estou fazendo 60 anos ,
o  tempo passa , diz o povo .
Não passa , me ensina a minha filosofia ,
não passa simplesmente porque eu vou tentando
caminhar com ele , no seu ritmo . 
Se você  vai caminhando com um amigo ,
no mesmo passo dos dois , seu amigo não passa ,
vocês compassam , porque vamos juntos ,
na mesma conversa , na mesma velocidade ,
no mesmo ritmo .
Vocês  ficam .
É aí que situo a diferença e faço  a ligação
dos opostos .
Andar com seu tempo , sintonizar com seu mundo
as inevitáveis transformações  do seu meio
num incessante processo  de assimilação
 de cultura da sua época , é isto que a filosofia 
significa  para mim  .
Um jeito de mudar, ficando .
Modificar é isto .
Crescer, nesse  sentido , só poderá entender-se
cumulativamente , não por excludência .
O que vivi , o que senti , o que pensei ,
vinte , trinta anos atrás , não passou , está aqui comigo ,
caminhando no meu compasso , cochilando ,
adormecido  talvez , mas vivo e dialogando ,
sustentando a estrutura ., dando ao de hoje
a dimensão exata que tal não seria atual
e de agora senão tivesse agido assim  ao longo
da caminhada no tempo .
Sentir que o passado forma com o presente
uma unidade integrada  qualitativamente nova .
Isto é o que eu chamo sabedoria do existir,
contemporâneo de tudo , de todos ,
sabendo achar um lugar para tudo que acontece
para que na fase que somos , na túnica que vestimos ,
não haja costura ."
 
A página de hoje é para os professores , neste dia
a eles dedicado , tendo como pano de fundo ,
as belas palavras do poeta e professor Daniel Lima .
Muitos de vocês que me acompanham neste blog ,
escolheram como profissão a nobre tarefa de educar .
Eu os reverencio pela opção .
Também serei sempre grata aos mestres que me
ensinaram a vida , desde as carteiras do pré-primário
até os bancos da faculdade de Direito  ,
 do Largo de São Francisco .
Nós os alunos , os aplaudimos a todos .
Eu os abraço e os beijo .
 
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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Pequena carta para ser aberta em uma tarde do futuro

Evita Medina
 
"  agora você pode ter certeza : não volta .
o beijo não dado não tem mais sentido .
o abraço guardado não tem mais motivo .
o palavrão engolido não quer dizer mais nada ,
não volta , você  cansou de ouvir , mas só
agora pode ter certeza .
a chuva nunca mais fez  o mesmo desenho no vidro .
o mar nunca mais a mesma pose  para a fotografia .
sua música preferida só tocou no momento
 certo naquele dia .
o poema deixado  para depois , hoje não vale mais nada .
há rimas que mofam . que perdem o significado .
consegue entender ? agora , acredita ?
não era autoajuda  barata .
 previsão  de cigana mentirosa .
horóscopo de jornal vagabundo .
 conselho de velho morrendo .
carta falsa de tarô .
 não volta . mesmo.
e espero que na cópia desta mesma carta  a ser aberta ,
novamente , daqui a dez anos ,
seja menor o arrependimento .
estão lacrados os próximos envelopes .
 lambidos . selados .
trancados , mas eu já aviso : dentro deles o mesmo texto .
não volta - tatue no braço , grude  post-its .
escreva com carvão pelas paredes .
 com as unhas compridas arranhando a terra :
 histórias de verdade não se rebobinam ."
 
Eduardo Baszczyn,
no  blog  ," Coisas da Gaveta "
 
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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

DELICADEZA ...

Chelin  Sanjuan
 
" Eu gosto de delicadeza .
Seja nos gestos , nas palavras , nas ações , no jeito de olhar ,
no dia  a dia  e até no que não é dito com palavras ,
mas fica no ar .
A delicadeza amolece  até a pessoa mais bruta
do mundo e disso eu tenho certeza .
Quero a delícia  em poder sentir as coisas mais simples ..."
 
Manuel  Bandeira
 
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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A BÚSSOLA

Imagem  da  net
 
" Carrego sempre uma bússola no bolso.
 
Quero saber o norte .
Quero saber meu norte .
 
Norte , morte ,
Mas morte , sorte .
 
A bússola  me diz :
Ali é o norte .
 
Mas  para  o  oeste eu vou .
 
Vou  para o oeste
porque a bússola diz : O norte é ali .
 
Mas meu coração diz :
Teu norte é o oeste .
 
E por graça da bússola
que no bolso carrego ,
e que me aponta o norte ,
sei  onde fica o oeste .
 
( Viver  é isto :
saber  pela razão , a direção do norte ,
mas ir , pelo amor , na direção do oeste ).
 
Daniel Lima ,
in "`Poemas "
 
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