terça-feira, 22 de julho de 2014

TRÊS NOMES

Alex  Alemany 


"  Assim  me  falou  o homem 
virtuoso  em sua  vida :
Deus  não é uma luz , 
desatenta mulher ,
Deus  é  pessoa .
Isto  pode  ser  um  poema 
sob três  nomes  viáveis : 
Aconselhamento espiritual ,
A  chave ,
Alvíssaras ,
coisas  que tanto abrem como fecham
uma  vida ,
um livro , 
um  entendimento ,
homem  que  se  ama escondido
e sem aviso te pede em casamento ."

Adélia  Prado ,
in " A duração  do dia " 

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

WALY SALOMÃO

WALY  DIAS  SALOMÃO , baiano da cidade   de
Jequié , nasceu em 1943 
 e morreu  no Rio de Janeiro em 2003 .
Ícone  da contracultura  brasileira , ganha  um volume 
com toda  sua obra  reunida .
Poesia  Total  ,
 além dos livros  de Waly , 
reúne letras  inéditas e textos críticos   de
 Antonio Cícero , Francisco Alvim ,
Heloísa  Buarque de Holanda , entre outros .
O resultado contextualiza  historicamente 
 a obra  do poeta 
e dá a dimensão do seu gênio criativo . 

Escolhi partilhar com vocês  o poema Sargaços 
 que ele dedicou à Maria Bethânia 
 e que tem a epígrafe do poeta Rumi .
Também , no som da caixa  a música Mel
tem letra de Waly Salomão
e  música de Caetano Veloso .

Espero  que gostem .
Beijos .


photo  Net 

Sargaços 

Para  Maria Bethânia 

" Fatalismo significa dormir entre salteadores "
Jalâl  al -Din  al-Rumi , poeta  sufi


" Criar  é não se adequar  à vida  como ela é ,
Nem  tampouco  se  grudar às  lembranças pretéritas 
Que  não sobrenadam mais .
Nem  ancorar à beira-cais estagnado ,
Nem  malhar  a batida bigorna à beira-mágoa .

Nascer  não é antes , não é ficar  a ver  navios ,
Nascer  é depois , é nadar após  se afundar  e se afogar .
Braçadas  e mais  braçadas  até  perder  o fôlego .
( Sargaços  ofegam o peito opresso ),
Bombear gás do tanque de reserva localizado em algum ponto
Do corpo 
E não parar  de  nadar ,
Nem que se morra na praia  antes de alcançar o mar .

Plasmar 
bancos de areia , recifes de corais , ilhas , arquipélagos , baías ,
espumas  e salitres ,
ondas  e  maresias .

Mar  de  sargaços 

Nadar , nadar , nadar  e  inventar  a viagem , o mapa ,
o astrolábio  de  sete  faces ,
O zumbido dos ventos em redemunho , o leme , 
as velas , as cordas   .

Os  ferros , o júbilo  e  o  luto .
Encasquetar-se na captura da canção que inventa Orfeu 
Ou  daquela outra  que conduz  ao  mar  absoluto .

Só   e outros poemas 
Soledades 
Solitude , récif  , étoile .

Através  dos  anéis escancarados pelos velhos horizontes 
Parir ,
desvelar ,
desocultar  novos horizontes .
Mamar  o leite  primevo , o colostro ,  da Via Láctea .
E , mormente ,
remar  contra  a maré  numa  canoa  furada 
Somente
para  martelar  um padrão estoico-tresloucado 
De  desaceitar  o naufrágio .
Criar  é  se  desacostumar  do fado fixo 
E ser  arbitrário .

                                   Sendo  os  remos imaterias .

                                             (Remos figurados    no  ar 
                                                         pelos  círculos  das  palavras .)  "

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sexta-feira, 4 de julho de 2014

ELOGIO DA PAIXÃO

Zindy  S D Nielsen 

" Por que a paixão  é maldita ?
Por que  é descrita como uma espécie de doença 
que toma conta de alguém  para lhe infernizar os dias ?
São  muitos os seus inimigos .
Associada a um surto psicótico,
  no mundo da razão só se fala mal dela . 
Nos consultórios , analistas 
se esforçam para esterelizá-la . 
Os bem-pensantes  dão
conselhos  sobre como evitá-la .
Que  pena !
 É ela que ilumina , em uma vida , os mais
fulgurantes  momentos .
( ...)
Não  sei se haveria arte sem paixão .
A arte é a paixão declarada  pela vida .
A literatura  está aí , esse longo  depoimento  sobre
a recorrência  no tempo do elan insopitável  que se
instala  sem nenhum aviso e
 funde dois seres desconhecidos 
no magma  que habitam com naturalidade ,
 ardendo no mesmo  fogo . 
Os apaixonados  não se conhecem , se reencontram .
A paixão  é um pertencimento  ancestral , uma memória
do nunca vivido  a que alguém se curva  como uma 
predestinação , como um destino incontornável .
( ...)
A paixão tem o dom de tornar sem sentido tudo que não
tem o seu brilho  e revelar em negativo 
a opacidade  das vidas .
 Coloca-se no centro  da existência como um sol
da meia-noite  que não deixa o dia descansar .
Também pouco descansam os apaixonados
 para quem todas  as horas da vida
são poucas , todas as vidas são novas ,
todos os corpos são virgens .
( ...)
 Por  que não acreditar nela ?
Por que sua incandescência  seria 
menos real que o cinza do dia a  dia ,
 dos engarrafamentos , 
das filas no metrô , das enxurradas ?
Por  que chamar de realidade o que  a vida 
tem de mais insosso e jogar no purgatório 
as delícias  e as urgências da paixão ? 
Por que a paixão  acaba ?
A vida também , e nem por isso a razão
aconselha  o suicídio ."

in , " Baile  de Máscaras " ,
de  Rosiska Darcy de Oliveira ,
carioca , nascida em 1944 ,
escritora e jornalista  que publicou 
seus primeiros livros na década de 1970 , 
em francês , devido ao exílio imposto
pela ditadura militar brasileira , época 
em que iniciou sua participação ativa 
no movimento internacional de mulheres .
Doutora em Educação pela Universidade
de Genebra , onde lecionou por 10 anos ,
é membro  do Painel Mundial sobre
Democracia  e do Painel Mundial 
sobre Desenvolvimento Sustentável 
da Unesco .
Em abril de 2013 foi eleita para a 
cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras .

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