domingo, 31 de maio de 2015

ENCONTRO

Aldo  Balding 

" Ele  não  apareceu .
Talvez tenha adoecido ou ficado debaixo
de um eléctrico .
Talvez  outra pessoa se pusesse na conversa com ele .
Talvez  se tenha esquecido do relógio , ou o relógio 
 se tenha esquecido  de lhe dar o tempo certo .
Talvez  o carro não pegasse , ou tenha ficado 
avariado  a meio do caminho .
Talvez alguém lhe telefonasse  quando ia sair de casa ,
dizendo-lhe que tinha de ir a um funeral ou que
a mãe dele  tinha  morrido .
Talvez  tenha encontrado  um antigo conhecido .
Talvez tenha tido uma discussão no emprego ,
tenha sido despedido  e esteja a esconder  a
cabeça  debaixo de uma almofada .
Talvez a ponte tivesse  fechada e a seguinte também .
Talvez o semáforo  permanecesse  vermelho .
Talvez o multibanco tenha engolido o cartão  ou
a meio do caminho  tenha reparado que esquecera
o porta-moedas .
Talvez tenha perdido os óculos , não conseguisse
deixar de ler , houvesse um programa  que ele
queria acabar de ver , não conseguisse  dar 
a volta à fechadura da porta , não encontrasse
as chaves em sítio  nenhum  e o cão dele começasse
a vomitar .    
Talvez não houvesse um telefone por perto , 
não encontrasse o restaurante  ou esteja à espera
em outro sítio , por engano .
Talvez - a última possibilidade ,
incompreensível  e inesperada -
ele tenha  deixado de me amar ."

Hagar Peeters ,
 poeta holandesa , nascida em 
Amsterdã-1972

Tradução  de 
Maria Leonor Raven-Gomes 

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sábado, 23 de maio de 2015

A SAIA ALMARROTADA

Madalina  Iordoche -Levay

( ...)

"Na  minha vila , a única do mundo , as mulheres 
sonhavam com vestidos  novos  para saírem .
Para  serem abraçadas  pela felicidade .
A mim , quando deram a saia de rodar , 
eu  me tranquei  em casa .
mais que fechada , me apurei invisível ,
eternamente noturna .
Nasci para cozinha ,  pano e pranto .
Ensinaram-me tanta vergonha  em sentir
prazer , que acabei sentindo prazer em
ter vergonha .
Por  isso , perante a oferta do vestido , 
fiquei  dentro , no meu ninho ensombrado .
No dia seguinte , as outras chegariam e me
falariam do baile , das lembranças cheias
de riso matreiro .
E nem  inveja  sentiria .

( ...)

Na  minha  vila  as  mulheres  cantavam .
Eu  pranteava .
Apenas quando chorava me sobrevinham belezas .
Só  a lágrima  me desnudava , só ela me enfeitava .

( ...)

Chega-me ainda a voz de meu velho pai como se
ele  estivesse  vivo .
Era  essa  voz que fazia Deus  existir .
Que  me  ordenava que ficasse feia ,
 desviçosa a vida  inteira .
Eu  acreditava que nada era mais antigo 
que meu pai .
Sempre  ceguei em obediência ,
 enxotando  tentações  que piripilampejavam
a minha meninice .
Obedeci mesmo quando ele ordenou :
Vá  lá fora e pegue fogo neste vestido !
Eu  fui ao pátio com  a prenda que meu tio 
secretamente  me havia oferecido .
Não  cumpri .
Guiaram-me  os mandos do diabo  e ,
numa cova  ocultei esse enfeite .

( ...)

E  pergunto : posso agora , meu pai ,
agora que já tenho mais rugas que pregas tem
esse vestido , posso agora me embelezar de vaidades ?
Fico  à  espera de sua autorização  enquanto vou ao
pátio  desenterrar o vestido do baile que não houve .
E visto-me  com ele , me resplandeço ante o espelho ,
rodopio  para enfunar a roupa .
Uma diáfana música me embala pelos corredores 
da  casa .
Agora , estou sentada , olhando a saia rodada ,
a saia amarfanhosa , almarrotada    .
E parece  que me sento  sobre minha própria vida . "

Mia  Couto ,
in , "  O  Fio das Missangas "

Conheci  o premiado escritor Mia Couto ,
há alguns anos ,  lendo   
" O Fio das Missangas ".
A  cada  conto , a poeticidade  com que ele manejava
as palavras  e colocava as metáforas , fazia toda
diferença  na configuração do texto  trazendo um
colorido único que me encantou .
 Foi  paixão  à primeira leitura .
Desde então ,  seus livros sempre me fazem companhia .
Divido com vocês excertos do conto ", " A saia almarrotada "
que já havia publicado em setembro de 2010 .

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segunda-feira, 18 de maio de 2015

VIESTE

Ilse Kleyn 

" Vieste  na hora exata 
Com ares de festa  e luas de prata
Vieste com encantos , vieste
Com beijos silvestres  colhidos pra mim 

Vieste com a natureza 
Com as mãos camponesas  plantadas em mim 
Vieste com a cara e a coragem 
Com malas , viagens  pra dentro de mim 
Meu  amor 

Vieste a hora e a tempo
Soltando meus barcos e velas ao vento
Vieste me dando alento
Me olhando por dentro, velando por mim

Vieste de olhos fechados , num dia marcado
Sagrado pra mim 
Vieste com a cara e a coragem
Com malas ,viagens pra dentro de mim
Meu  amor "

Ivan Lins  e Vitor Martins 

A página de hoje é para o Felipe , meu filho .
Ele nasceu num 18 de maio , fazendo este dia
" sagrado pra mim " .

Parabéns !
Saúde , Paz , Sucesso e Amor ,
com as bençãos de Deus .
Beijos de todos nós .

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sábado, 9 de maio de 2015

COMEMORAÇÃO

Sandra Bierman

" A  maternidade , à semelhança da arte ,
 é como encostar  o ouvido na porta  fechada 
sobre o mistério .
Sentimos  ternura e medo quando esta nova
criatura  domina nossa vida , inunda os espaços,
tolhe a liberdade , colhe os frutos do tempo  e
da paciência  e no entanto não poderíamos 
viver  sem ela .
Passaremos o resto da vida aprendendo  como
não ser tão dependente  desse novo ser , 
aprendendo a torná-lo  livre  de nós : 
único , senhor de seu caminho , 
e dono de suas escolhas .
Porque só assim poderemos inventar um amor ,
que , por não sujeitar , nos reafirma ."

Lya  Luft 

Amanhã , segundo domingo de maio ,
 comemora-se, no Brasil ,  o Dia das Mães .
Desejo a todas mães do mundo ,
 muita saúde e amor .
Amanhã , dia 10 de maio , comemoro os 
5 anos deste blog , que nasceu para partilhar
o prazer  da leitura .
E , como nos aniversários anteriores ,
preciso agradecer a vocês , meus amigos ,
que me dão a conhecer seus espaços repletos
de arte  e me acompanham  na paixão pelos livros .   
Um grande abraço onde caibam todos .
Beijos de gratidão .

Marisa 

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sábado, 2 de maio de 2015

POEMA DE HOJE ...

René  Magritte 

" Uma  viagem  a  descoberto :
ave,  aventura 
e  seus  voos  cegos !
Sem  espelhos retrovisores 
só  assim 
me visto , somente 
com paisagem
e sem assinar meu nome 
em  nenhuma parte 
eu  passo 
e me assassino :
sol  assim ."

Armando Freitas Filho 

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