segunda-feira, 20 de março de 2017

CANÇÃO DE OUTONO

Leonid  Afremov 

 Hoje ,  20 de março , às 07:20 horas ,
 aqui no no hemisfério sul , começou o outono .
Partilho com vocês poema de Cecília Meireles que 
nos fala de folhas  e  de outono , mas também ,
de amor , tristeza e saudade .

" Perdoa-me , folha seca ,
não  posso cuidar de ti .
Vim para  amar neste mundo ,
e até do amor me perdi .
De que serviu tecer flores
pelas areais do chão 
se havia gente dormindo 
sobre o próprio coração ?

E não pude levantá-la ! 
Choro pelo que não fiz .
E pela minha fraqueza 
é que sou triste e infeliz .
Perdoa-me , folha seca ! 
Meus olhos sem força estão 
velando e rogando aqueles 
que não se levantarão ...

Tu és folha de outono 
voante pelo jardim .
Deixo-te  minha saudade 
- a melhor parte de mim .
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão .
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão ..."

Cecília Meireles 

Som  na  caixa ...



domingo, 12 de março de 2017

CLARICE LISPECTOR , SEMPRE

Anna  &  Elena  Balbusso 

Leio e releio Clarice .
Assim , partilho com vocês , uma vez mais ,
a crônica  "POR NÃO ESTAREM DISTRAÍDOS" ,
contida  no livro  ,
 " A DESCOBERTA DO MUNDO"
que publiquei em outubro de 2014 .

" Havia a levíssima embriaguez  de andarem juntos ,
a alegria  como quando se sente  a garganta  um
pouco seca  e se vê que , por admiração , 
se estava de boca  entreaberta :
eles respiravam de antemão  o ar que estava
à frente  , e ter esta sede  era a própria água deles .
Andavam por ruas  e ruas falando e rindo, 
falavam e riam  para dar matéria e  peso à levíssima
embriaguez  que era a alegria da sede deles .
Por causa  de carros e pessoas , às vezes eles
se tocavam , e ao toque - a sede é a graça ,
mas as águas  são uma beleza de escuras - e ao
toque  brilhava o brilho da água deles , 
a boca ficando um pouco mais seca de admiração .
Como eles admiravam estarem juntos !
Até que tudo se transformou  em não .
Tudo se transformou em não quando eles quiseram
a mesma alegria deles .
Então a grande dança dos erros .
O cerimonial das palavras desconcertadas .
Ele procurava e não via, ela não via 
que ele não vira , ela que ,
estava ali , no entanto .
No entanto ele que estava ali .
Tudo errou , e havia a grande poeira das ruas ,
e quanto mais erravam , mais com aspereza queriam ,
sem um sorriso .
Tudo só porque  tinham prestado atenção ,
só porque  não  estavam bastante distraídos .
Só porque , de súbito exigentes e duros  ,
quiseram ter o que já tinham .
Tudo porque quiseram dar um nome ;
porque quiseram ser , eles que já eram .
Foram então aprender que , 
não se estando distraído ,
o telefone não toca ,
e é preciso sair de casa 
para que a carta chegue ,
e quando o telefone toca ,
o deserto da espera já cortou os fios .
Tudo , tudo por não estarem mais distraídos ."

Clarice Lispector 

Som  na  caixa ...
 
  

quarta-feira, 1 de março de 2017

TER MÃE

Sandra Bierman

( ...)

"  Ter mãe é a primeira chance que a vida nos oferece .
Nascer é uma dor surda , um espanto tamanho -
e quanto tempo dura um espanto ,
 perguntou um poeta-
uma sufocação do mundo que nos entra pelos pulmões ,
rarefeito , um medo tão grande , uma solidão infinita 
face a esta luz súbita  que inaugura o primeiro dia .
Nascer é tão difícil que , não fora o calor de um corpo
que não será nunca esquecido , morreríamos ali mesmo ,
desistiríamos  ao primeiro grito que é sempre 
tão desesperado , um pedido de socorro  que vara
a opacidade das coisas .
Nascer é um susto terrível . Maior , só viver .
O risco de pôr-se de pé , de atravessar estas imensas
distâncias  que levam de um lado a outro da sala ,
pisando os nós da madeira  como um roteiro incerto ,
 buscando o frágil  equilíbrio  de músculos 
e ossos imaturos , esse percurso impossível , 
mais arriscado que um salto mortal sem rede ,
termina em braços abertos .
Esse é o final feliz , que abre as portas 
de tantos  possíveis .
Se aceitamos correr tantos riscos na tentativa
de aprender caminhos  é porque , 
em algum lugar da memória mais longínqua ,
esperamos ainda que o mundo nos acolha 
de  braços abertos ."

Rosiska Darcy de Oliveira 
in , " Pássaro Louco " ,
crônica " Ter Mãe "

A página de hoje é para minha mãe que
completa 92 anos ,
 sempre ao nosso lado  .
Peço a Deus que a conserve entre nós 
mais tempo com saúde e alegria .
Beijos com muito  amor de
toda a família .

Som  na caixa ...